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Gestão de personas do mercado farmacêutico

January 30, 2025
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Se há indústria com um propósito social, é a farmacêutica. Trabalhamos para cuidar da saúde das pessoas, criamos fármacos para as curar, garantimos a acessibilidade desses fármacos, tudo para melhorar a sua esperança e qualidade de vida.

Se me permitem agora, segue-se uma caricatura:

Na indústria farmacêutica o foco foi, durante muito tempo, a cura da doença, muitas vezes sem verdadeira disrupção, procurando a inovação incremental sobre fármacos já existentes. Convergimos para o produto e para a patologia e, desde que nos foquemos na doença, não temos de nos focar na pessoa.

Criámos medicamentos em caixas de petri, estudando a atuação de compostos químicos orgânicos ou inorgânicos com substâncias patológicas e, só posteriormente, experimentámos para perceber os efeitos secundários desses medicamentos (como eles de facto afetam a pessoa para além da sua doença). Entre risco-benefício, chegámos à conclusão que o doente necessitava desta nova terapêutica, comercializámos e não tivemos concorrentes, fomos inovadores porque tínhamos uma droga patenteada e única durante alguns anos. Desenvolvemos um medicamento a pensar na patologia, altamente fundamentado em termos de segurança e eficácia por estudos científicos. O doente não tinha de sentir nada em relação a isso. A sua aspiração era direcionada ao médico que lhe prescrevia o novo tratamento e que deveria curar a sua doença. O que ele queria era viver mais tempo.

Ou não será assim?

Atualmente, não chega a ninguém viver mais tempo, viver mais tempo é uma commodity, é um dado adquirido, a qualidade dos medicamentos e a sua eficácia são também dados adquiridos, o know how dos profissionais de saúde sobre patologia e fármacos, são dados adquiridos. O que diferencia qualquer player nesta área, o que lhe é exigido pelo seu cliente é empatia. O que queremos é viver melhor, com mais relevância, a busca pela felicidade (materializada no crescimento do mindfulness) torna-se quase uma nova religião, uma cruzada, em que o santo graal da vida eterna não está nos anos vividos mas na qualidade desses anos. Assim, o mínimo exigido, é que quem cuida de nós se preocupe! A evolução da relação das pessoas com a sua própria saúde está a pôr em causa o modo de operar da indústria farmacêutica. As pessoas têm opiniões (muitas vezes muito negativas) sobre os produtos, médicos, enfermeiros, farmacêuticos e indústria farmacêutica e partilham essa opinião nas redes sociais influenciando outras pessoas. Um exemplo do poder que esta mudança tem na saúde e na escolha (des)informada do tratamento, é o facto de cada vez menos pessoas se vacinarem!

A Indústria está a mudar.

Gestão de Categorias

Na tentativa de tornarmos o negócio da Farmácia mais eficiente, desenvolvermos os Recursos Humanos, inovarmos incrementalmente e simplificarmos a relação com a Indústria Farmacêutica, criámos e implementámos transversalmente a gestão de categorias.

A ideia base é termos especialistas de produto, que conhecem bem as gamas, alocam espaços e decoração, estudam os hábitos de compra do “shopper” de forma a garantir-lhe uma melhor experiência de consumo.

A gestão de categorias funciona, mas baseia-se no modelo de venda de produto da farmácia, não está totalmente adequado ao modelo de venda de serviço que defendemos e ouvimos defender por todos os farmacêuticos.  Com o avanço das novas tecnologias, a gestão de categorias não consegue competir com a venda online, não há melhor experiência de compra de um produto do que clicar num botão e recebê-lo convenientemente em casa.

A criação de vantagem competitiva da farmácia não está, portanto, totalmente assente na gestão de categorias. No entanto não se engane, se for farmacêutico e ainda não tiver implementado na sua farmácia a gestão de categorias, comece por aí antes de ponderar aventurar-se pelo que vem descrito a seguir. A gestão de categorias continua a ser útil, mas o passo seguinte tem de ser a gestão de personas.

Gestão de Personas

Seth Godin faz a seguinte analogia no seu livro “This is Marketing”:

“Raízes e Rebentos

O seu trabalho é uma árvore. As raízes vivem no solo dos sonhos e dos desejos. Não os sonhos e desejos de toda a gente, simplesmente dos de quem deseja servir.

Se o seu trabalho for simplesmente uma commodity, uma resposta rápida para uma necessidade óbvia, então as suas raízes não serão profundas. É pouco provável que a sua árvore cresça, ou mesmo que cresça, é pouco provável que seja vista como importante, útil ou dominante. Vai ser confundida com todas as outras árvores semelhantes na mesma região.

À medida que a sua árvore cresce, cria uma comunidade. Os pioneiros que a sua árvore serve irão relacionar-se com ela, trepá-la, usá-la para sombra e, eventualmente, comer os seus frutos. Vão atrair outros.

Se planeou bem, a árvore irá rapidamente ficar mais alta, porque o sol não irá ser bloqueado – não há muitas árvores semelhantes a competir com a sua. Conforme cresce, a árvore não só atrai mais pessoas como, a sua altura (dominância na região) bloqueia o aparecimento de novas árvores.”

O que quero dizer é, se todo o retalho implementa gestão de categorias, como pode a árvore da farmácia ser mais alta que a do restante retalho? Como irá o seu utente trepar à sua árvore e colher os seus frutos? A resposta não pode ser: “só na farmácia se vende medicamentos sujeitos a receita médica”, porque neste caso, como diz o autor, as raízes não serão profundas, estará a oferecer ao seu utente uma resposta rápida para uma necessidade óbvia. Quero o mesmo medicamento do mês passado, mais rapidamente e mais barato e eu pago por isso.

Dizer que existem 15 categorias transversais a todas as farmácias com diferentes subníveis e ajustar a estratégia de comunicação a essas categorias é assumir, por exemplo, que todas as mamãs de todas as regiões do país têm os mesmos desejos, aspirações e medos. Que todas querem o mesmo. Simplificando, não há personalização na gestão de categorias.

A personalização exige do gestor a criação de categorias de pessoas - Personas

Se as pessoas fossem categorias, quantas categorias conheceria profundamente na sua farmácia?

Categorizar pessoas (se é que posso empregar este termo) não é mais do que segmentar os seus clientes. Acontece que a categorização tradicional se baseia, quase sempre em dados demográficos. Provavelmente consegue, sem muito trabalho de investigação, segmentar os seus clientes em doentes agudos e crónicos, bebés e mamãs, idosos, mulheres e homens, alto e baixo rendimento económico, etc. Clientes com comportamentos de compra totalmente diferentes podem pertencer à mesma categoria demográfica e o trabalho que faz para cativar uns pode na verdade, afastar os outros. É necessário segmentar com base em dados psicográficos, motivações, personalidade, desejos, aspirações, etc.

Por exemplo, dentro da categoria idosos, poderá ter um idoso que se quer sentir ativo, que quer demonstrar à sociedade que ainda pode aprender, ensinar e participar. Que a idade não é um peso, mas sim uma vantagem. Ou pode ter um idoso que sente que chegou à fase da vida onde tem de ser cuidado, não cuidará mais, o que sente que merece e precisa de atenção e que “o Mundo lhe deve isso”. Podem estar exatamente na mesma categoria demográfica, podem ter ambos 65 anos, viver na cidade, ter uma licenciatura e um rendimento mensal que lhes permite viver confortavelmente, mas diferem em algo que não se mede nos censos. Se se dirigir aos dois da mesma forma, um deles não irá perceber a mensagem.

“Allways be wondering, allways be testing, always be willing to treat different people differently. If you don’t, they will find people who will.” Seth Godin

Como criar uma ligação empática com uma classe, no fundo uma caixinha com clientes dentro? A resposta é humanizar essas caixinhas, ou seja, criar personas.

O que é uma persona?

Uma persona é uma personagem fictícia criada para “encarnar” toda a informação que temos dos clientes que queremos servir. Humanizando a informação que temos, conseguimos gerar a empatia necessária para responder melhor às exigências do nosso público.

Como criar personas?

  • Conhecer os seus clientes atuais - recolha toda a informação que conseguir, dados demográficos como idade, região, poder económico, comportamento de compra e dados psicográficos, interesses e atividades, desejos, motivações.
  • Conheça os clientes dos seus concorrentes - de que forma os seus utentes diferem dos utentes dos seus concorrentes? Que tipo de segmentação já existe naturalmente e que posicionamento a sua farmácia já tem na população?
  • Identifique pontos de dor dos clientes - que problemas querem os seus clientes resolver? O que querem alcançar e o que os impede de ser bem-sucedidos

Como reunir toda esta informação? Utilize a informação que já tem disponível no seu CRM e considere por favor fazer estudos de mercado, focus group, estudos online, ou até entrevistas.

  • Reúna toda a informação em diferentes personas - crie personagens, dê-lhes nome, idade, dê-lhes personalidade e se possível, um rosto.

Para simplificar, tentarei dar um exemplo (não foram utilizados dados de mercado, apenas uma projeção).

Nome: Maria Baptista | Idade: 65 anos | Estado Civil: Viúva

Localidade: Vive em Rio Maior

Escolaridade: Licenciatura em Língua Portuguesa

Ocupação: Reformada, antiga Professora de Português de ensino secundário. 15.000 € - 20.000 € anuais.

Agregado Familiar: Vive sozinha, tem dois filhos, o Tiago com 40 anos, casado e pai da Madalena com 4 anos que vive muito próximo. E a Patrícia que tem 35 anos, solteira e a viver em Lisboa.

Lifestyle: Frequenta aulas de hidroginástica todas as quartas e sextas-feiras, tem um grupo de amigas da mesma idade com quem gosta de tomar o pequeno-almoço todas as manhãs e com quem tem também um clube de costura. Vai ao cabeleireiro todas as semanas e cuida da sua imagem. A sua grande ocupação, no entanto, é tomar conta da sua neta. Leva-a ao colégio às 9h da manhã e vai buscá-la às 16h. Aprendeu recentemente a utilizar o Facebook para falar com a sua filha através do Messenger, entretanto, formou um grupo de Facebook de costura com as suas amigas e, neste momento já tem cerca de 1000 membros.

Aspirações: Criar uma escola de costura para ensinar mulheres desempregadas o ofício e contribuir para ajudar a comunidade de Rio Maior. Gostaria também de organizar um evento para juntar a sua comunidade de costura do Facebook, talvez um almoço.

Pontos de dor: Gostaria de encontrar alguém que partilhasse esta ideia da escola comunitária de costura com ela e que a ajudasse com os contactos necessários para a concretizar.

Frase que a define: “Passei grande parte da minha vida a ensinar e a garantir um futuro melhor para as pessoas, tenho de dar lugar aos mais novos no mercado de trabalho, mas ainda tenho muito para dar e ensinar à minha comunidade!”

A Dona Maria não existe realmente, mas personifica um tipo de utentes que podem surgir na sua farmácia. Pessoas reformadas, mas ativas, de paz com o passado e com o futuro e que sentem que não chegaram ao fim da vida, mas que estão em mais uma fase da vida.

Pergunte-se qual o status deste personagem, onde ele gostaria de estar, com quem se identifica?

Finalmente pergunte-se, como comunicar com a Dona Maria? Como pode a sua farmácia ser ainda mais relevante para ela?

As diferentes personas utilizam diferentes canais de procura de informação e de compra, têm diferentes “Customer Journeys”. A criação de Personas pode contraintuitiva, se queremos personalizar o serviço, porque estamos a categorizar? Poderá estar neste momento a pensar: “A minha equipa sabe o que quer o individuo Dona Maria, Sr. Manuel, a jovem Mariana e o menino João”. Sem dúvida, mas pergunto:

  • A sua equipa muda? O know-how fica com quem?
  • Quer que o serviço da sua farmácia seja idêntico em termos de qualidade independentemente de quem está a atender?
  • Quer comunicar corretamente com materiais promocionais corretos, não só no ponto de venda, mas aproveitando também a omnicanalidade (resultado das novas tecnologias)? A persona Dona Maria, utiliza o Facebook, responderia muito bem a uma ação da Farmácia divulgada nesse canal que apoiasse a comunidade e a convidasse a participar.

Mais uma vez escrevo um artigo que reflete a minha opinião, a minha experiência e o meu estudo. Não sou detentora de nenhuma verdade, este artigo não fará sentido para todos, mas desenhei uma persona a quem espero chegar:

Nome: Catarina Pessoa | Idade: 55 anos | Estado Civil: Casada

Localidade: Porto

Ocupação: Farmacêutica, gestora de farmácia

Agregado Familiar: Vive sozinha, tem dois filhos, o Tiago com 40 anos, casado e pai da Madalena com 4 anos que vive muito próximo. E a Patrícia que tem 35 anos, solteira e a viver em Lisboa.

Lifestyle: Frequenta aulas de hidroginástica todas as quartas e sextas-feiras, tem um grupo de amigas da mesma idade com quem gosta de tomar o pequeno-almoço todas as manhãs e com quem tem também um clube de costura. Vai ao cabeleireiro todas as semanas e cuida da sua imagem. A sua grande ocupação, no entanto, é tomar conta da sua neta. Leva-a ao colégio às 9h da manhã e vai buscá-la às 16h. Aprendeu recentemente a utilizar o Facebook para falar com a sua filha através do Messenger, entretanto, formou um grupo de Facebook de costura com as suas amigas e, neste momento já tem cerca de 1000 membros.

Aspirações: Criar uma escola de costura para ensinar mulheres desempregadas o ofício e contribuir para ajudar a comunidade de Rio Maior. Gostaria também de organizar um evento para juntar a sua comunidade de costura do Facebook, talvez um almoço.

Pontos de dor: Gostaria de encontrar alguém que partilhasse esta ideia da escola comunitária de costura com ela e que a ajudasse com os contactos necessários para a concretizar.

Frase que a define: “Passei grande parte da minha vida a ensinar e a garantir um futuro melhor para as pessoas, tenho de dar lugar aos mais novos no mercado de trabalho, mas ainda tenho muito para dar e ensinar à minha comunidade!”

A persona que penso servir com este artigo? Farmacêuticos que pensam no negócio, inovadores e que gostam de ser desafiados. Prestadores de serviços que querem pensar fora da caixa.