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O efeito dama de copas na Farmácia Comunitária

January 30, 2025
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Este é um artigo de opinião e refere-se à Farmácia e não ao Farmacêutico. O Capital Humano da Farmácia não está em discussão, pretende-se sim, discutir o Capital Social (do ponto de vista económico e não financeiro) da Farmácia Comunitária.

"É preciso correr muito para ficar no mesmo lugar. Se queremos chegar a outro lugar, temos de correr duas vezes mais." Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas, 1865

A teoria da evolução utiliza a metáfora da Rainha de Copas para ilustrar que a competição entre diferentes espécies leva a um equilíbrio dinâmico no qual o progresso concorrencial de uma espécie obriga ao desenvolvimento da outra.

O negócio da Farmácia Comunitária em Portugal é um negócio monopolista (no que toca a medicamentos) e foi também, durante muito tempo, de sucessão sem grandes desafios tecnológicos.

A tranquilidade oferecida pelo equilíbrio da balança oferta-procura suportado na legislação portuguesa e as margens apetecíveis do negócio, conferiram à Farmácia Comunitária uma inércia na implementação de novas ferramentas que mesmo estando disponíveis pareciam acrescentar pouco valor a um negócio tão previsível.

Atualmente, a imprevisibilidade chega a todos os sectores, o sector farmacêutico não é exceção. Começando pela venda de OTCs fora das Farmácias, continuando pela redução da margem dos medicamentos, passando pelas ameaças digitais e não terminando seguramente por aqui, a Farmácia está, hoje em dia, mais sujeita a desafios que a obrigam a correr ainda mais.

Mas correr para onde? Qual deverá ser o avanço tecnológico da Farmácia Comunitária?

1. Data Science

A palavra Tecnologia significa “ciência da arte e dos ofícios”, empresas como a Amazon ou Google são tecnologicamente avançadas nos seus ofícios de algoritmia, em ambos os casos dominam o tratamento e refinamento daquela que no futuro será matéria-prima mais valiosa, os dados.

Algoritmia não é certamente a arte ou o oficio de uma Farmácia, mas a recolha, utilização, tratamento e interpretação de dados são cruciais para uma gestão eficiente, para um conhecimento mais profundo e reprodutível dos seus utentes e logo, um melhor serviço.

Existem inúmeras empresas de software que disponibilizam ferramentas que permitem e facilitam a criação de melhores bases de dados, o segredo do sucesso está em como utilizá-los.

2. Empatia

A maior vantagem competitiva da Farmácia está no seu histórico de confiança e relação. A Farmácia conhece o seu utente e está presente inevitavelmente nos melhores momentos da sua vida (na venda de um medicamento para uma viagem de lua-de-mel ou nos primeiros cuidados de puericultura) e nos piores momentos da sua vida (nas doenças que vão surgindo e até no luto).

Empresas digitais conseguem inferir sobre a personalidade e até os estádios de vida dos seus consumidores, mas dificilmente conseguem criar a empatia que até agora é condição única do ser humano.

As ferramentas tecnológicas podem e devem estar ao serviço da Farmácia até na empatia, o desenvolvimento de um robusto Customer Relationship Management (CRM), permite à Farmácia recolher e sistematizar os dados dos seus utentes, tornando a informação acessível a toda a sua equipa e permitindo-lhe desenvolver e oferecer respostas cada vez mais personalizadas e relevantes.

3. Alinhamento e conhecimento

O conhecimento do utente não é suficiente para diferenciar a Farmácia e garantir o seu regresso e finalmente a sua recomendação. Uma boa conversa de balcão sem conteúdo técnico funciona para algumas pessoas, mas não para todos, ir à Farmácia não pode ser o mesmo que ir ao café.

É necessário que a equipa da Farmácia tenha conhecimento relevante sobre os produtos, a saúde, e até a comunidade em que se insere. Para isto, a Farmácia tem de apostar na formação continua dos seus colaboradores. Existem inúmeras ferramentas disponibilizadas por diversas fontes presencialmente e online para atualização de conhecimentos sem grande investimento de recursos (quer tempo quer financeiro).

Mas como em qualquer empresa, é importante que a equipa saiba porque está a fazer o que faz, qual a mais-valia que retira daí quer em termos pessoais, quer em termos profissionais.

O primeiro passo para o envolvimento da equipa na estratégia da Farmácia é uma boa comunicação e acima de tudo, uma boa visão.

4. Comunicação e Marketing

“A César o que é de César”

Todos nós somos um bocadinho Marketeers é o que parece passar na cabeça de muitos gestores portugueses.

A ideia de que fazer marketing é ter ideias engraçadas ou desenhos bonitos é infelizmente muito transversal nas PMEs.

É verdade que cada vez mais temos de ser multifacetados, multitask e adaptáveis nas empresas, mas a especialização continua a ser uma mais-valia que diferencia os resultados das diferentes áreas. Não é por acaso que para ser gestor de produto numa empresa farmacêutica multinacional precisa o mínimo de 5 a 10 anos de experiência na área particular, ou para se trabalhar numa empresa de IT tem de saber programar.

O gestor de uma Farmácia deve saber comunicar com todos os players no seu negócio mas não tem de ser todos os players do negócio.

A velocidade dos dias de hoje não se compadece com erros de principiante, as empresas precisam de “plug & play”. É importante não ter medo de arriscar, mas convém fazê-lo sabendo exactamente o que se arrisca.

Uma boa estratégia de comunicação multicanal é crucial para esta nova era digital que se avizinha, para a captação, retenção e fidelização dos utentes em toda a sua “Customer Journey”.

5. Visão e foco

Se perguntarmos hoje a um farmacêutico, qual o seu ofício, a resposta que muito provavelmente irá predominar será: cuidar da saúde dos seus utentes, aconselhar, recomendar. Se perguntarmos hoje a um utente qual o ofício da Farmácia a resposta será muito provavelmente: vender medicamentos. Porquê esta diferença de perspectiva? Estará de facto a Farmácia a cuidar do seu utente?

Quer queiramos quer não, a venda do medicamento representa de uma forma geral, a grande fatia do retorno no negócio da Farmácia. O desafio está em observar que o medicamento e a sua exclusividade de venda na Farmácia não são vantagens competitivas orgânicas, ou seja, trabalhadas e desenvolvidas pela empresa, mas sim impostas pela legislação e à mercê da legislação. O que significa que o medicamento não é um capital da Farmácia mas sim um capital legislativo.

Neste sentido, torna-se ainda mais importante a diferenciação que levará à fidelização do utente, a aposta pode ser em serviços, em oferta de produtos, em “Customer Experience”, cada Farmácia tem as suas particularidades, geográficas, demográficas ou mesmo em termos de loja e, como tal, cada uma terá a sua estratégia. O importante é saber para onde se deve dirigir e saber comunicar essa direção à sua equipa.

A partir do momento em que determina a sua missão, visão e estratégia, a Farmácia deve ser coerente, o utente e a equipa devem reconhecer nas suas interações o posicionamento da Farmácia. Para que isto seja possível, todas as decisões de marketing e vendas devem ser tomadas em concordância com o caminho escolhido.

Estamos neste momento numa fase de reinvenção de negócios, é preciso correr muito, nem que seja para ficarmos no mesmo sítio. A Farmácia Comunitária não é exceção, terá de correr muito para manter a sua relevância, credibilidade e confiança.